Entendendo o Rito de York

Antiguidade

O ritual americano, tanto nos Graus Simbólicos, trabalhados nas Blue Lodges quanto nos Altos Graus, trabalhados nos Capítulos do Real Arco, nos Conselhos dos Graus Crípticos e nos Acampamentos das Ordens de Cavalaria, compõem o que deve ser chamado de Rito Inglês Antigo.  Formam um sistema coerente e consecutivo, sendo que os Graus Simbólicos e os Graus do Real Arco podem gabar-se de trabalhar os rituais mais próximos dos modelos originais. Historicamente, são os que menos sofreram alterações e interpolações dos “revisores”.

Suas formas foram cristalizadas pelos Maçons da Grande Loja dos Antigos e transportadas aos Estados Unidos quando estes ainda eram colônias americanas.

Podemos ver que o Monitor, de Thomas Smith Webb, registrava os seguintes passos existentes na Maçonaria americana em 1797:

– Primeiro Grau

– Segundo Grau (Fellow Craft, camarada ou companheiro de ofício)

– Terceiro Grau (Master Mason, Mestre Maçom)

– Quarto Grau (Mark Master Mason, Mestre de Marca)

– Quinto Grau (Present or Past Master, Venerável ou Ex-Venerável)

– Sexto Grau (Most Excellent Master, Mui Excelente Mestre)

– Sétimo Grau (Royal Arch Mason, Maçom do Real Arco)

Webb foi o grande responsável pela forma que persiste até hoje nos Graus Simbólicos e nos do Real Arco.  Seu trabalho baseado no ritualista inglês William Preston, Illustrations of Masonry, cuja primeira edição foi publicada em 1774.

O Monitor de Webb nos dá idéia do panorama maçônico nos Estados Unidos recém-independentes.  Ele também faz referência aos Graus de Cavalaria e os descreve (Red Cross, Malta e Templars), mas como Graus de Ordens honoríficas, fora do sistema da Franco-Maçonaria.  Os Graus Inefáveis do Rito Escocês Antigo e Aceito são descritos e comentados por ele, do Mestre Secreto até o de Grande Eleito, Perfeito e Sublime Maçom.  É preciso lembrar que, àquela época, o REAA não havia sido transformado no sistema coerente de hoje, o que aconteceria com a fundação do primeiro Supremo Conselho em 1801..

Origem do Rito Inglês Antigo

A Grande Loja dos Antigos foi fundada em 1751 por Maçons irlandeses radicados em Londres, depois que a Primeira Grande Loja, aquela original de 1717, se recusou a recebê-los em seus quadros.

Por volta da metade do século XVIII, a Primeira Grande Loja já não conservava as mesmas características da época de sua fundação.

E por que isto aconteceu?

Simplesmente porque havia uma nova dinastia reinante, os Hanover, que substituíram os Stuarts, destronados por causa de sua conversão ao catolicismo.  Ora, as Lojas estavam entre os melhores canais de comunicação da época.  Claro que não podiam ser deixadas sem controle pela nova dinastia reinante.

Não pode haver dúvida de que a criação da Grande Loja foi um ato eminentemente político.  Vem daí a proibição de falar em política ou religião nas Lojas (o que, a longo prazo, seria até benéfico!) e a introdução sistemática dos nobres nos postos-chave da Ordem! Lembremos de que o primeiro Grão-Mestre, Anthony Sawyer, era um commoner, alguém do povo.  A partir do duque de Wharton, passou a ser um nobre e, depois de seu sucessor em 1723, o conde de Dalkeith, um nobre estritamente ligado à Coroa britânica.  Assim, o canal de comunicação mais importante da época passou à tutela da casa real!

A estrutura litúrgica também foi alterada, porque a forma cristianizada dos rituais era associada aos Stuarts.  Data daí a introdução do Terceiro Grau (1725).

Outro problema com os rituais é que os sinais foram trocados após a publicação, em 1730, do livro Maçonaria Dissecada, de Samuel Prichard.  Aí, com receio de que não-Maçons viessem pedir ajuda ao fundo de beneficência (essa beneficência, lembrem-se, era uma prática herdada das guildas medievais), os manda-chuvas da Primeira Grande Loja fizeram mais mudanças.

Voltando à nossa história, a nova Grande Loja de 1751 intitulou-se Os Antigos e diziam praticar a forma original de Maçonaria (e citavam a prática lendária da Maçonaria da cidade de York, daí o nome incorporado ao Rito), enquanto que a Primeira Grande Loja, a velha, foi apelidada muito pejorativamente de Os Modernos…

Durante sessenta anos, as duas estiveram às turras, até que a turma do “deixa-disso” resolveu-se pela união, já que os protagonistas da pancadaria haviam falecido.

Nasce o Rito Inglês Moderno

Para juntar banana com laranja, chamou-se uma comissão de notáveis (vocês sabiam que o nosso Hipólito José da Costa era um dos nove?) com a missão de criar um ritual aceitável por ambas as facções. Foi aí que nasceu o Rito Inglês Moderno, adotado oficialmente a partir de 1813, quando se formalizou a União das duas Grandes Lojas, a dos Antigos, de 1751, e a dos Modernos, de 1717.

O Rito Inglês Antigo continuou nos EUA

Os americanos não deram a mínima pelota para o que acontecia do outro lado do Atlântico, até mesmo porque desde 1776 haviam cortado os laços com a metrópole britânica.

Na colonização dos Estados Unidos, as Lojas Maçônicas haviam chegado com Cartas Constitutivas de quatro Grandes Lojas: GL dos Antigos (de 1751), GL dos Modernos (de 1717), GL da Irlanda (de 1723 e inventora das Lojas militares) e GL da Escócia (de 1732).

Claro, os Modernos se identificavam com o poder político inglês. Quando veio a independência, eles perderam todo o prestígio.  As velhas Grandes Lojas Provinciais americanas se transformaram nas Grandes Lojas Estaduais de hoje (pelo menos nas 13 colônias) e nelas prosperou a forma original dos Antigos, bem semelhantes às dos escoceses e dos irlandeses.

Por isto, é absolutamente seguro afirmar que as Blue Lodges, as Lojas Simbólicas americanas, trabalham, básica e ininterruptamente, no velho Ritual Inglês Antigo, cuja forma atual foi patenteada (isto mesmo, patenteada) por Thomas Smith Webb.

Onde está a primazia

Então, quando se falar em primazia e originalidade, falemos nos Estados Unidos, não na Inglaterra – e isso tanto para os Graus Simbólicos quanto para o Real Arco.  Este, na união de 1813, não como os manda-chuvas (leia-se duque de Sussex!) não conseguiram extingui-lo, foi espremido ao lado do Grau de Mestre Maçom, como um Grau “lateral”, para que a Coroa inglesa mantivesse o controle político e a vigilância através da recém-criada Grande Loja Unida da Inglaterra, cujo Grão-Mestre é sempre um membro da Família Real (como até hoje, em que é o duque de Kent).

Aí está o pano de fundo histórico do Rito que está chegando ao Brasil.

Ele já esteve por aqui antes, no século XIX, em três Lojas do Grande Oriente dos Beneditinos e foi usado por muito tempo nas Lojas do Rio Grande do Sul.  Agora está chegando e empolgando, mas não deve ser deturpado, como não foram os Altos Graus, representados no Brasil pelo Supremo Grande Capítulo de Maçons do Real Arco do Brasil e pelo Grande Conselho de Maçons Crípticos do Brasil.

Desculpem o longo texto, mas antes que se comece a ter opiniões e que brotem os “achismos”, vamos entender melhor o que estamos fazendo. E nos conscientizarmos de que estamos lidando com um verdadeiro Túnel do Tempo, que merece respeito e fidelidade..

Considerações sobre a introdução  do Rito Inglês Antigo no Brasil

Em Roma, como os romanos.  Se queremos que os rituais simbólicos tenham a mesma aceitação que os rituais do Real Arco, devemos levar em consideração alguns pontos:

  1. Sabemos que 86% das Lojas brasileiras trabalham no REAA (e provavelmente as nossas vão trabalhar em Templos do mesmo Rito). Não temos duas portas, na grande maioria delas e temos que nos conformar e aceitar o fato. Purismos exagerados seriam tolice.  Se futuros Templos vierem a ser construídos ou reformados, tudo bem.  Desprezar o que já existe em nome de um esnobismo litúrgico é condenar o Rito à morte antes do parto.
  2. Existem expressões consagradas. Em seu brilhante trabalho, o Irmão Christian incluiu as essas expressões, como Meus Irmãos como tal me reconhecem.  Lembremos que este Rito foi a matriz primeira do Rito Escocês, o que dá para perceber mesmo a quem não tenha pretensões de ritualista.  Para nós, quanto mais for sentida a semelhança com o Escocês, mais teremos a ganhar.  Não só porque se confirma a origem comum dos Ritos, mas porque seguramente dará um certo conforto por trilhar um caminho conhecido.  Veremos que as muitas mudanças dos rituais obscureceram o significado de algumas partes do REAA.

Aqui elas aparecerão.

  1. Há anos estamos alimentando este sonho de ter Graus Simbólicos cuja continuação natural seja o nosso Real Arco. Uma vez que os rituais do Real Arco chegaram primeiro no Brasil e há 14 anos são contínua e repetidamente trabalhados, procuramos ser consistentes com os termos já conhecidos. Daí adequar as expressões sem perder a fidelidade do sentido.
  2. Que temos que ser mais explícitos nas informações do floorwork, para que todos saibam como conduzir-se em Loja. Vamos ter Irmãos do Brasil inteiro pedindo informações!  Quanto mais explicado no ritual, quanto menos suscitar dúvidas, melhor.
  3. Subentende-se que o ritual pela GL de Nova York é todo trabalhado em uma única noite. A cerimônia ficou quilométrica.  Por isso, transformaremos as instruções para que sejam dadas posteriomente.
  4. O Christian entendeu muito bem que devemos usar os nossos costumes latinoamericanos. Jamais daria certo, aqui entre nós, trabalharmos no Grau 3, como passou a fazer, por necessidade, a Maçonaria americana.  O sucesso do Real Arco se deveu, em boa parte, por seguir os usos e costumes brasileiros, desdobrando os rituais de modo que os Graus fossem seqüenciais.  E não houve qualquer problema de aprovação com os americanos.

Nossa responsabilidade

Imensa, com certeza, é a carga nos ombros do grupo que tenta integrar o Rito Inglês Antigo na Maçonaria do Brasil.  Foi-nos dada uma oportunidade como só tiveram Joaquim Gonçalves Ledo e seus correligionários em 1821, com a introdução do Rito Moderno, e em 1829, com a criação da primeira Loja do REAA, e como teriam Lauro Sodré e seus correligionários em 1914, na criação do Rito Brasileiro.

Mas as oportunidades são imensas, também, desde que nos lembremos de que temos um universo peculiar.  Devemos ter o bom senso de integrar o Rito dentro das condições e em respeito aos demais Ritos, como respeitosa foi a demonstração do Supremo Grande Capítulo de Maçons do Real Arco no Brasil em transformar-se no primeiro Corpo Maçônico em nosso país a pública e estatutariamente acolher Irmãos das três Potências e dos seis Ritos regulares brasileiros.

Se formos criteriosos quanto a isto, usando o bom senso e respeitando nossas arraigadas tradições (não os achismos inconseqüentes!), a chegada do legítimo Rito de York será, sem dúvida, um acontecimento ímpar.

 

FSF,

 

João Guilherme C. Ribeiro, PGSS, MRA